terça-feira, 13 de janeiro de 2015

DIÁLOGOS SOBRE O CONHECIMENTO, DE PAUL FEYERABEND


[...] Os diálogos recolhidos neste livro são imperfeitos sob muitos aspectos, 0 que e verdade especialmente para 0 segundo.Trata-se de minha réplica a uma variedade de escritos recolhidos para uma Festschrift em minha (des)honra. A maior parte dos ensaios tem a ver com um livro que escrevi em 1970, publicado em 1975, e que, no que me diz respeito, e agora água passada. Alem disso, os artigos me atribuem uma doutrina (sobre 0 conhecimento e sobre 0 método), ao passo que minha opinião era, e ainda agora, que nem 0 conhecimento nem a realidade podem ser aprisionados ou regulados por um resumo geral ou por uma teoria (as teorias científ1cas não são aquilo que os filósofos de inclinações realistas creiam que sejam). O segundo diálogo tenta explicar essa situa um pouco complicada. O primeiro reflete a situação do meu seminário em Berkeley; 0 doutor Cole tem pouco a ver comigo, mas algumas personagens (não identificáveis pelo nome) constituem uma homenagem a alguns alunos maravilhosos que tive. Os diálogos são filosóficos num sentido muito genérico e não técnico. Poderiam até ser chamados desconstrutivistas, se bem que 0 meu guia tenha sido Nestroy (que foi lido por Karl Kraus) e não Derrida. Quando fui entrevistado pelo diário italiano A Repubblica fizeram-me a seguinte pergunta: "0 que 0 senhor pensa dos atuais desenvolvimento da Europa Oriental e 0 que a filosofia tem a dizer sobre esses seus argumentos?" Minha resposta talvez explicaria um pouco melhor minha atitude. Estas são duas perguntas inteiramente diversas - eu disse. A primeira é dirigida a um ser humano vivo e mais ou menos adequadamente pensante, com seus sentimentos, seus preconceitos, suas necessidades, isto é, a mim. A segunda e dirigida a algo que não existe, a um monstro abstrato, a "filosofia". A filosofia e ainda a menos unitária das ciências. Existem escolas filosóficas que se conhecem pouco entre elas ou se combatem ou se desprezam reciprocamente. Algumas dessas escolas, a do empirismo lógico, por exemplo, não enfrentaram quase nunca os problemas que surgem agora; alem disso, não ficariam demasiado felizes de encorajar os sentimentos religiosos que tem acompanhado tais desenvolvimentos (em alguns países da América do Sul,a religião está na primeira linha na batalha pela libertação).Outras, por exemplo os hegelianos, traçam longos romances para descrever os eventos dramáticos e sem dúvida começaram a cantá-los - ninguém sabe com que resultados. Alem do mais, apenas raramente existe uma estreita relação entre a filosofia de uma pessoa e 0 seu comportamento político. Frege foi um pensador agudo sobre as questões de lógica e sobre os fundamentos da matemática, mas a política que comparece em seus diários e do tipo mais primitivo. E é exatamente essa a desgraça; acontecimentos como aqueles que sucedem agora na Europa do Leste e, notoriamente, em outras partes do globo e, de um modo mais geral, todos os eventos que envolvem os seres humanos, eludem os esquemas intelectuais - cada um de nós e chamado, individualmente, a reagir e quiçá a tomar uma posição. Se a pessoa que reage é humana, afetuosa, não egoísta, então pode ocorrer que 0 conhecimento da historia, da filosofia, da política e até da física (Sakharov!) sejam úteis, porque ele ou ela podem aplicá-los de um modo humano. Digo "pode ocorrer", porque  excelentes pessoas que se apaixonaram por filosofias abomináveis e explicaram suas ações de maneira desencaminhante e perigosa. Czeslaw Milosz e um exemplo e 0 discuti em Adeus à Razão . Fang Lizhi, 0 astrofísico e dissidente chinês é outro. Ele procura justificar sua luta pela liberdade, fazendo referencia aos direitos universais que "não consideram raça, língua, religião e outras convicções". O universo físico - diz ele - obedece a um "principio cosmológico" nele, todo lugar e direção equivalem a todo outro lugar e direção; a mesma coisa - diz ele - deveria aplicar-se ao universo moral. Essa é ainda a velha tendência universalizante e que vemos claramente aonde leva. De fato, se "não consideramos" as características raciais de um rosto, se não fazemos caso do ritmo de sons que fluem de sua boca, se eliminamos os gestos particulares e culturalmente determinados que acompanham 0 discurso, então não temos mais um ser humano vivo, temos uum monstro, que este morto, não livre. Alem disso, 0 que tem a ver 0 universo físico com a moralidade? Suponhamos, como os gnósticos, que ele seja uma prisão, deveremos, então, adaptar nossos comportamentos morais a suas características carcerárias? É verdade que hoje 0 gnosticismo não é popular, mas as descobertas mais recentes indicam que cedo também 0 "princípio cosmológico" poderia ser um assunto pertencente ao passado. Deveremos mudar nossos comportamentos morais quando isso ocorrer? Apenas raramente uma filosofia sensível encontra uma pessoa sensível que a usa então de um modo humano.Vaclav Havel constitui um exemplo e demonstra claramente que não é a filosofia que deve ser estimulada pelo evoluir das coisas, mas em cada pessoa individualmente. De fato, repetindo-me, a "filosofia" entendida como âmbito de atividade bem determinado e homogêneo existe tão pouco quanto a "ciência". Há as palavras, há também os conceitos, mas a existência humana não revela traço das fronteiras implícitas nos conceitos.


DIÁLOGOS SOBRE O CONHECIMENTO – A obra Diálogos sobre o conhecimento, do filósofo e físico austríaco, Paul Feyerabend (1924-1994), ao abordar nas suas partes compostas pela fantasia platônica e ao termino de um passeio não filosófico entre os bosques, trata das ideias do autor que geraram grande interesse e polêmicas nos meios científicos e acadêmicos, dedicando-se à análise dos fundamentos das teorias físicas e da epistemologia da ciência, procurando esclarecer e circunscrever a natureza e o alcance dos pontos de vista quanto aos conceitos científicos e filosóficos aplicáveis à realidade e à atualidade.

REFERÊNCIA
FEYERABEND, Paul. Diálogos sobre 0 conhecimento. São Paulo: Perspectiva, 2008.

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